Fibromialgia: “A dor não se vê, a dor sente-se”
Fátima tem 25 anos e faz parte dos 2% da população que sofre deste distúrbio do sistema nervoso. "A maior parte das pessoas desconfia daquilo que tenho. As pessoas veêm-me com aspecto saudável e não acreditam na dor", disse ao P3
Texto de Ricardo M. Alves • 11/05/2014 - 21:13
Fátima Valente tem 25 anos e convive com uma doença debilitante há mais de dez anos. "Talvez até mesmo desde a escola primária, quando pensávamos que as minhas dores de costas seriam devido ao peso da mochila". A fibromialgia afecta sobretudo as mulheres e estima-se que cerca de 2% da população sofra deste distúrbio do sistema nervoso, classificado pela OMS como uma doença reumática desde 1995. "Às vezes nem consigo pentear-me, tais as dores no couro cabeludo", disse ao P3 esta jovem, que encontrou muita resistência por parte dos profissionais de saúde. "Mandavam-me embora para casa." Dia 12 de Maio é o Dia Mundial da Fibromialgia.
Há quanto tempo sofres de fibromialgia?
Eu julgo que os sintomas já vou tendo há algum tempo, talvez até mesmo desde a escola primária, quando pensávamos que as minhas dores de costas seriam devido ao peso da mochila. Mas foi a partir da pré-adolescência que comecei a ficar paralisada pelas dores e que comecei a ter depressões. No entanto, só obtive o diagnóstico final há cerca de cinco anos.
Como se manifestam os sintomas?
Há uma imagem que muita gente conhece que mostra os 18 pontos no corpo onde um fibromiálgico sente dor. Quando sinto a dor é como se estivesse em carne viva, ou como se algo estivesse a ser rasgado. Às vezes nem consigo pentear-me, tais as dores no couro cabeludo... E o meu sono nunca é reparador, por mais que queira.
O processo de diagnóstico da fibromialgia é ainda mais moroso do que o normal para condições crónicas. Foi a tua experiência?
Sem dúvida, é difícil conseguir um diagnóstico da fibromialgia. São precisos meses, senão anos, e vários exames que acabam por não revelar nada conclusivo. E a maior parte dos médicos não sabe fazer o diagnóstico. Por não saberem, ou por não quererem saber.
Encontraste resistência por parte de profissionais de saúde?
Muita. Por exemplo, quando tinha dor localizada e ia ao hospital para obter asssistência, a partir do momento que eu dizia que tinha fibromialgia ou quando eles verificavam isso no processo, passavam a descartar os sintomas como coisas que só existiam na minha cabeça. Mandavam-me embora para casa. Isso acontecia com médicos de todas as especialidades. Tive imensos casos, até que comecei a desistir de procurar assistência.
Se mesmo profissionais de saúde são cépticos, como é a reacção de uma pessoa comum a uma jovem com uma condição incapacitante?
A maior parte das pessoas desconfia daquilo que tenho. As pessoas vêm-me com aspecto saudável e não acreditam na dor. Mas eu digo-lhes que a dor não se vê, a dor sente-se. Mas mesmo no seio familiar a grande maioria não se informa sequer sobre a doença, assume só que é psicossomático. Muitas pessoas deixaram de falar comigo porque acharam que eu não conseguir pegar num carro para ir tomar um café era uma desculpa. Por isso é que eu prefiro desabafar no grupo de Jovens Portadores de Fibromialgia, porque são pessoas que percebem perfeitamente aquilo porque estamos a passar.
Como concilias a fibromialgia com uma vida profissional?
Eu neste momento estou desempregada, e estou mais vezes nessa situação do que o contrário. Apenas escondi a minha condição uma vez, mas quando ela transpareceu sofri acusações de estar a fingir para não trabalhar. Agora digo sempre nas entrevistas que tenho fibromialgia, e isso quase sempre resulta numa rejeição imediata. Não posso pegar em pesos, não posso ter trabalhos de stress constante, e como é lógico ninguém me dá trabalho nestas condições. Eu estava a trabalhar no serviço pós-venda da Rádio Popular quando a minha condição se agudizou, e tive mesmo de me despedir porque eram demasiadas horas de pé, e num clima de stress. As pessoas não compreenderam, e acharam que eu simplesmente as estava a abandonar. Foram mais amigos que perdi por incompreensão.
Sem rendimentos, como é possível fazer face ao custo de vida?
Se não fossem os meus pais e o meu marido eu passava fome, vivo dependente deles. São eles que pagam toda a medicação que tomo, que na sua maioria não é comparticipada. Para além disso, não ter hipótese de manter um emprego fixo não me permite dedicar-me a uma carreira, seguir uma vocação.
Mencionaste medicação, ela ajuda com os sintomas?
São uma ajuda, sem dúvida. Mas se eu soubesse o que sei hoje, nunca teria começado com alguns dos medicamentos. Tomo uma mistura de analgésicos, ansiolíticos e antidepressivos, e para além de serem caros a maior parte cria dependência. O Tramal, por exemplo, é um derivado de ópio. Há uns dias esqueci-me de tomar um medicamento antes de dormir, e quando acordei estava com uma enorme ressaca, como se fosse uma toxicodependente. E periodicamente preciso de mudar certo medicamento porque crio tolerância ao princípio activo, e o período de desmame é igualmente desagradável.
Entre tudo isto, como te distrais?
Gosto de fazer caminhadas, porque o exercício físico também ajuda com a condição. Uma terapia de que gosto muito é também o contacto com animais. Felizmente tenho espaço para ter seis cães e o meu marido tem também vários pássaros. Tenho a sorte de ter espaço para eles e para a minha jardinagem. E, mais uma vez, encontro bastante refúgio no facebook. As pessoas acham que é vício, mas a minha actividade é sobretudo com o grupo de Jovens Portadores de Fibromialgia. Há muito preconceito em volta da fibromialgia, e falar com alguém que sabe mesmo aquilo por que estamos a passar - não sei se a palavra será exactamente esta — mas é um conforto.
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